quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Visões religiosas alternativas sobre sexualidade


Elias Mayer Vergara
Diálogo Latino-americano sobre Sexualidade e Geopolítica
Rio de Janeiro, agosto de 2009

Ao postularmos discutir o tema das visões religiosas alternativas sobre sexualidade, pode parecer que partimos da premissa de que há uma prática oficial religiosa da sexualidade, predominante e socialmente aceita, e tudo quanto não se enquadra nesta religiosidade oficial se torna prática alternativa, de oposição, paralela.

Não se pretende trabalhar aqui com a categoria alternativa em oposição à categoria oficial. Portanto, o alternativo não será considerado como antítese ao oficial que, em um movimento dialético, sempre resulta em uma nova síntese, ou seja, o alternativo somente o é em função das circunstâncias históricas, mas deixa de sê-lo quando os dados da realidade são alterados, transformando-se, em um outro momento, no oficial.

No bonito universo das cores, o branco é a antítese do preto, mas não sua alternativa. A alternativa a qualquer cor são milhares de possibilidades de outras cores que, quanto mais se misturam, maior será o número de matizes criados. Nenhuma cor pode substituir a outra. Cada cor é única.

Assim se pretende trabalhar a idéia de alternativa: uma experiência que não se coloca em simples oposição àquilo que é a prática oficial, antes constitui uma novidade, uma descoberta, um novo caminho. Neste sentido o alternativo necessita sempre de sua autonomia, de sua independência e de sua energia própria. Se o alternativo se torna oficial, perde a sua autonomia, pois sofre um processo de enquadramento e passa a necessitar da força de outrem para se sustentar.

Então a religiosidade alternativa não é aquela que simplesmente se opõe à religiosidade oficial. A religiosidade alternativa é aquela que propõe um experiência nova, inédita, insubstituível, que não precisa da força de outrem para legitimar-se.

Para iniciarmos esta apreciação das visões religiosas alternativas acerca da sexualidade, vamos visitar um mito muito antigo que tanto alimentou a oficialidade dogmática judaica como também a oficialidade dogmática cristã. Trata-se do mito do Jardim do Éden, que delimito entre Gênesis 2. 42 – 4.1

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Para quem entende que a homossexualidade é um pecado…

Fico profundamente triste quando usamos a Bíblia para fundamentar pecados motivados pelos nossos pré-conceitos.

Já ouvi e li, muita coisa sendo dita e escrita a favor e contra os homossexuais.

Quando nos preocupamos demasiadamente sobre qualquer coisa, isso começa a demonstrar um comportamento neurótico. Ou estamos tentando esconder algo, ou nosso inconsciente está justamente nos forçando a colocar aquilo que está mal elaborado em nós, para fora.

“Aquilo que me incomoda demasiadamente em outra pessoa, é meu”. Esta é uma afirmação clássica na psicanálise.

Cuidado! Quem se ocupa demasiadamente em perseguir, reprimir, a quem quer que seja, está perseguindo e reprimindo a si próprio. Tem algo lá dentro de si que está mal resolvido em relação a aquilo que tanto o incomoda.
Posso afirmar que em alguma medida, todos nós temos um Gay com quem nos relacionamos, e ele está dentro de nós. Ou nós o assumimos, ou nós o rejeitamos, ou nós convivemos numa boa, sem que ele nos transtorne. O ser Gay é algo que está dentro de nós e não algo que possamos simplesmente dizimar da face da terra.

Muita gente na história da humanidade elegeu minorias para serem dizimadas: Os judeus, os índios, os negros, as mulheres e agora os gays.
Há muito pouco tempo na Igreja anglicana, se fazia uma discussão semelhante sobre a possibilidade das mulheres serem ou não sacerdotes e bispas na Igreja . Muita gente defendeu teses a favor e contra esta possibilidade e ambos se utilizaram da Bíblia para sustentar suas posições. Enfim, depois de muitos anos de discussões, as mulheres na Igreja Anglicana, alcançaram a possibilidade de serem sacerdotes e bispas. Hoje, algumas décadas passadas, rimos as gargalhadas daqueles tempos e daquela discussão, que nada mais evidenciava do que um momento histórico, em que os homens estavam perdendo para as mulheres, sua hegemonia no poder (na Igreja e fora dela) . Era o preconceito e o pecado buscando legitimidade Bíblica.

Quem fica catando aqui e ali versos bíblicos para justificar suas posições pré-conceituosas, está com dificuldade de entender aquilo que Jesus tanto insistiu em todo o seu ministério: Amar ao próximo, como a si mesmo. Nisso, disse Jesus, resume-se toda a Lei.

Para mim é esta a questão central: Não estamos preparados para amar os gays, pois eles ameaçam a nossa masculinidade, ou a nossa feminilidade. E se o ser macho ou fêmea está sendo ameaçado, é porque estas categorias nunca foram assim tão cristalinamente definidas. Quando alguém se assume gay, isso perturba a sociedade e seus membros individualmente. Por que a perturbação? Se estamos firmes nas categorias masculinas e femininas que culturalmente definimos, não há com que se preocupar!

Trabalhar com o gay que existe dentro de cada um de nós, é um esforço muito mais positivo do que querer reprimi-lo fora de nós. Isso não resolverá a nossa neurose sexual.

Quando eu puder abrir mão de todo o meu pré-conceito e abraçar a um gay, ou a qualquer cidadão excluído da sociedade, como a um ser humano, então eu terei descoberto o verdadeiro amor do qual Jesus tanto nos falou. E não nos esqueçamos que todo o homossexual possui um pai e uma mãe.

E se ele (a) fosse seu filho(a), será que sua postura em relação a ele (a) seria a mesma???

Pensemos nisso.
Rev. Elias Mayer Vergara, OST

Reflexão sobre Inclusividade na IEAB

Inicialmente, parabenizo a direção do Seminário por essa iniciativa de dar visibilidade a novas experiências missionárias que surgem na IEAB. Sempre entendi que um Seminário não deve ser apenas uma escola na qual se estudam conteúdos teológicos, mas um centro de pesquisa e vanguarda da Igreja, atento aos novos desafios que o mundo nos apresenta. Seminários não devem ser apenas instituições de reprodução, mas sobretudo de produção intelectual com vistas à missão. Nesse caso, o SETEK tem, ao longo de sua história, uma inestimável contribuição à prática pastoral e missionária da IEAB, como vanguarda teológica.

Pretendo expor brevemente a experiência missionária que temos vivido há um ano e dois meses em Campo Grande, capital do MS. Infelizmente, ao longo de 120 anos de história, a IEAB nunca enviou um missionário para trazer a essa cidade a nossa compreensão do evangelho. A história religiosa da cidade é marcada pelo forte predomínio da Igreja Católica Romana e, nos anos mais recentes pelo crescimento das igrejas evangélicas de cunho pentecostal e neopentecostal.

Quando aqui chegamos em março de 2010, não tínhamos qualquer contato. Inicialmente, solicitei a todos os bispos e a vários colegas do sul que tentassem se informar sobre famílias episcopais-anglicanas residentes em Campo Grande. Há muitos CTGs na cidade e imaginávamos que, dentre a colônia gaúcha poderíamos encontrar algumas famílias episcopais. Porém, um ano depois, só conseguimos localizar uma família, procedente de Santa Maria e que hoje é freqüentadora assídua, além de outro jovem, de origem japonesa, procedente de Curitiba.

Sem qualquer apoio financeiro para a missão, alugamos uma casa com uma grande sala que foi “sacrificada” para transformar-se em capela permanente. Comecei a enviar emails a pessoas da Igreja solicitando que contribuíssem com o valor de R$ 1,00 (um real) por dia, o equivalente a um depósito mensal de R$ 30,00 (trinta reais). Com as primeiras ofertas que chegaram, compramos 10 cadeiras de plástico e um tablado de madeirite para servir como altar. Aos poucos alguns colegas conseguiram a doação de cálice, patena, corporais e linhos para o altar. Também utilizamos o valor das ofertas para imprimir um folder de propaganda da Igreja, que começamos a distribuir no bairro e também às pessoas com quem fazíamos amizade.
A primeira celebração foi assistida apenas por curiosos. Nos domingos seguintes a curiosidade diminuiu e durante três ou quatro meses, apesar dos muitos convites pessoais e por email, apenas nossa família (Ingrit, eu e as crianças) celebrávamos a liturgia anglicana em louvor a Deus. Houve momentos de muito desânimo, mas sempre nos tranqüilizávamos pensando ser ainda o tempo da semeadura. Uma noite, após vários domingos sem a presença de nenhum visitante sequer, sentei-me desanimado para meditar; abri uma cerveja e olhei o céu estrelado. Foi inevitável a lembrança da promessa de Deus a Abrão: “sai da tua tenda e tente contar as estrelas do céu... assim será tua descendência”. Tomei a lembrança desse texto como uma promessa para o futuro da IEAB em Campo Grande, e entreguei o futuro dessa missão à soberania e vontade de Deus, esperando pelo tempo oportuno da colheita dos primeiros frutos.

No domingo seguinte, um casal começou a freqüentar. Nos domingos seguintes, outro casal e outras pessoas começaram a aparecer, e iniciamos um forte incentivo à vida comunitária, com almoços e churrascos. Naturalmente, não negligenciei a visitação nas casas, sempre colocando-me à disposição, como sacerdote, para orar pelas pessoas e acompanhá-las em suas dúvidas.

Por outro lado, percebi desde cedo, que a maioria dos freqüentadores era oriunda de igrejas evangélicas pentecostais, decepcionadas com a falta de profundidade teológica dessas comunidades. Alguns eram também oriundos da Igreja Católica, mas por serem descasados, não encontravam espaço. Essa constatação serviu-me como um alerta para não cair em “armadilhas” que às vezes apareciam, tais como as sugestões de inserir cânticos gospel dessas comunidades ou momentos de “oração espontânea”. Logo percebi que se eu permitisse, aos poucos a liturgia anglicana seria subvertida e nos transformaríamos em uma igreja igual às outras. A fim de evitar problemas futuros, nos domingos seguintes passei a preparar as liturgias como se estivesse em uma Catedral. Embora fôssemos um pequeno grupo, consegui vários LOCs e Hinários, bem como a gravação de hinos clássicos em MP3 para serem usados durante as celebrações. Algumas pessoas estranharam e não retornaram, mas muitos se surpreenderam com a qualidade musical e estão conosco até hoje.
Aos poucos os freqüentadores foram também começando a compreender o significado do nome da Capela: “Capela da Inclusão”. Sempre frisamos e em nenhum momento ocultamos o fato de que nossa Igreja talvez seja uma das poucas no Brasil a tratar de modo franco, aberto e maduro, a questão da sexualidade e homossexualidade. Nenhum dos freqüentadores poderia dizer futuramente que foi pego de surpresa, caso tivéssemos freqüentadores assumidamente gays ou lésbicas ou se recebêssemos um clérigo gay para pregar.

O aumento no número de freqüentadores exigiu que procurássemos um local maior para as celebrações, e isso aconteceu em fevereiro deste ano, quando alugamos um espaço com capacidade para 80 pessoas. Naturalmente, todo caixa comunitário foi comprometido na aquisição de mais 40 cadeiras, pintura, comungatório e outras necessidades, além do compromisso mensal com aluguel, água e luz. Contudo, damos graças a Deus porque até o momento, essas necessidades estão sendo supridas por absoluta generosidade de pessoas de várias dioceses que, eventualmente, nos enviam uma oferta. A partir de abril, a Secretaria Geral assumiu o compromisso de nos apoiar com o pagamento do aluguel, o que muito nos aliviou. Isso é sinal de que iniciativas missionárias sempre mobilizam a Igreja para contemplar o futuro e não apenas a manutenção do passado.

Sobre a Pastoral da Diversidade Sexual, alguns esclarecimentos devem ser feitos. Eu conheci a iniciativa do rev. Elias Vergara em Goiânia e fiquei encantado com a seriedade como esse assunto é tratado naquela região, tendo inclusive sido reconhecida como uma pastoral diocesana. Também conheci o trabalho do rev. Arthur em São Paulo, com o Coral da Diversidade, e sabíamos que esse assunto também mereceria especial atenção em Campo Grande.

Conversando com o rev. Elias Vergara, aprendi que o processo dessa Pastoral vai muito além do foco na homossexualidade. Inicialmente a pastoral chamava-se “Pastoral homossexual”, mas na medida em que eram levantadas questões tais como preconceito e a dificuldade no relacionamento com parentes próximos (pais e mães, irmãos e irmãs ou mesmo filhos), além dos problemas nas relações no emprego e a própria auto-aceitação das pessoas LGBT, o leque se expandiu para incluir também o debate com essas pessoas, que não fazem parte do grupo LGBT, mas que estão em seu círculo de relacionamentos interpessoais diários. Nas reuniões em Goiânia afloravam também outros assuntos tais como impotência masculina ou frigidez feminina, compulsões sexuais em ambos os sexos, fantasias reprimidas, a criação dos filhos, experiências sexuais da infância e adolescência, pedofilia, assédio ou abuso sexual. Enfim, o leque era tão vasto, que o foco não estava apenas na questão homossexual, mas na diversidade das práticas sexuais em nosso tempo. Desse modo, entendemos que em Campo Grande a situação seria a mesma e, por isso, optamos por utilizar o nome “Pastoral da Diversidade Sexual”, a fim de incluir também o diálogo com pessoas hetero em relação constante com o público LGBT.

Naturalmente, logo começaram a surgir problemas que se refletiram na comunidade e que até hoje estamos administrando. Em novembro do ano passado, dei uma entrevista na Rede Globo e em um jornal da cidade. A Globo foi bastante profissional, mas o jornal deturpou a entrevista através de uma matéria que anunciava em letras grandes: “Padre anglicano quer fazer mutirão para casamentos gays”. Em função dessa matéria tive que redigir uma matéria intitulada “10 esclarecimentos sobre notícias da mídia em Campo Grande”, e que está até hoje em nosso site: http://paroquiadainclusao.com/site/2010/11/29/ainda-sobre-as-noticias-na-midia/ .

Nesse texto esclareço, entre outras coisas, que A Igreja Episcopal Anglicana do Brasil tem diversas pastorais sólidas organizadas em todo Brasil com diversos segmentos da população, principalmente pessoas pobres, crianças carentes, pessoas marginalizadas, sem-terra, sem-teto, populações indígenas, quilombolas, moradores de rua, idosos, etc. Dentre essas diversas pastorais, algumas de nossas paróquias também perceberam a necessidade de defender a dignidade das pessoas homoafetivas. Ou seja, essa Pastoral é apenas uma dentre tantas outras belas e nobres iniciativas da Igreja, e não é nosso foco principal, mas parte da totalidade da missão de nossa Igreja; e que mantemos claramente nossos princípios éticos, tais como, não apoiar a pedofilia, a exploração sexual ou a promiscuidade, por entender que tais práticas ferem a dignidade humana. Esse esclarecimento foi importante para não imaginarem que somos uma Igreja só de gays, mas uma igreja muito séria, que aceita as pessoas e ao mesmo tempo alerta para os riscos da permissividade sexual (doenças sexualmente transmissíveis, gravidez precoce, etc). Apesar da mídia, a repercussão para a Igreja foi muito boa, pois logo fui procurado pela Associação dos Travestis e Transexuais do MS, que me convidou para ser seu capelão. Desde então, eventualmente tenho tido o privilégio de reunir-me com elas, orar, louvar a Deus e celebrar com elas os santos mistérios da fé.
Recentemente participei de um debate na Secretaria de Cultura do MS, e frisei um ponto que ainda precisamos insistir: a IEAB não é uma igreja de gays e lésbicas, como algumas pessoas insistem em dizer. A IEAB é simplesmente uma igreja que vive a catolicidade de modo real, sem discriminar ninguém. Precisamos assumir sem medo, quem somos e que Igreja é essa, sem medo das reações católicas romanas ou de escandalizar os evangélicos. Nessas igrejas a discussão já acontece subterraneamente, e podemos dar um belo exemplo de amadurecimento para que outras igrejas o sigam também.
Outro momento complicado aconteceu agora um mês atrás, quando participei de uma sessão na Câmara dos Vereadores, apoiando exatamente um requerimento de concessão do título de utilidade pública para a Associação dos Travestis. Na ocasião, fui abordado de modo agressivo por um pastor batista, e na mesma semana, relatei em um jornal da cidade, o episódio através do artigo “meu encontro com um homofóbico” (anexo). Na semana seguinte recebi vários emails de evangélicos radicais protestando e até mesmo ameaçando atrapalhar nossas celebrações com piquetes. Um dos emails me chamava de gay. Respondi dizendo que não me ofende ser chamado de gay, mas que não lhes daria jamais o prazer de ser chamado de pastor evangélico porque, na atual circunstância, isso certamente seria grande ofensa. Até parece que nessas igrejas não existem pessoas homossexuais, inclusive pastores e pastoras.
Certamente o mais traumático para minha esposa, foi receber um telefonema dizendo “vocês merecem morrer!”. Campo Grande é uma cidade infestada pelo fundamentalismo evangélico e pentecostal, e eles se julgam os donos da cidade. Porém, esses acontecimentos, ao invés de me desanimar, me encheram de revolta e respondi a todos os emails com o texto “homofobia e neonazismo”, também disponível em nosso site: http://paroquiadainclusao.com/site/2011/05/22/homofobia-e-neonazismo/. Essa resposta, pelo jeito foi bem recebida, pois pararam com os emails e telefonemas. No fundo, os evangélicos radicais de Campo Grande são muito covardes, pois bastou mostrar-lhes que não os tememos, que pararam de rosnar e latir.

Não posso negar que tais episódios abalaram a vida comunitária. Alguns casais e outras pessoas, por motivos diversos (alguns assustados, outros temerosos de serem identificados como homossexuais ou promíscuos), diminuíram a freqüência e a participação. Isso nos trouxe certa decepção, pois imaginávamos ter deixado claro que somos uma família hetero, mas que, em virtude do conhecimento da graça imerecida e do amor de Deus, temos a obrigação de acolher a todas as pessoas.
Às vezes ouvimos pessoas dizendo: “a IEAB é uma igreja liberal... cheia de descasados, divorciados, gays, etc...”. Muito bem! É isso mesmo! Graças a Deus! Talvez sejamos uma das poucas igrejas no Brasil em que há espaço para essas pessoas, e não temos que nos envergonhar disso. Ao contrário – para mim é motivo de orgulho dizer que somos essa igreja sim. Isso me faz recordar as belas palavras finais do hino 306 (“e quando o monumento surgir em plena luz, a glória do edifício será do Rei Jesus”) – Todos sabemos que, teologicamente, a Igreja (e agora falo do corpo místico de Cristo), está em construção, e ainda não se revelou plenamente sua face.
Todos nós sabemos que há muitos gays e lésbicas em nossa Igreja. Também conhecemos pessoas do clero (alguns assumidos enquanto outros/as, por razões particulares, insistentemente ainda “no armário”). Nosso atual secretário-executivo da IEAB lidera uma bela comunidade inclusiva em São Paulo e recebeu um importante prêmio do governo paulista (O Selo da Diversidade) por seu trabalho de inclusão. Isso tudo é amplamente noticiado e basta abrir o site da IEAB e já veremos a foto desse evento.
Nossa pequena Igreja tem o grande potencial de dizer que as pessoas homoafetivas são parte da Igreja, sim – elas não estão batendo na porta implorando para serem recebidas. Elas já são Igreja. A grande maioria é batizada, e se foi batizada na IEAB, ouviu a declaração de nosso rito: “És de Cristo para sempre!”. Boa parte dessas pessoas já foi confirmada ou crismada (ou fez “profissão de fé” em suas respectivas igrejas), e sobre elas repousa a oração que os bispos fazem na confirmação, dizendo que estão “vinculadas ao serviço de Cristo”. Boa parte dessas pessoas homoafetivas comunga, freqüenta a Igreja, participa e contribui financeiramente com seu dízimo. Uma parte dessas pessoas buscou o ministério ordenado e recebeu a imposição de mãos para se tornarem vigários (representantes) de Cristo e de seu amor junto ao povo. Ou seja, essas pessoas não precisam de complacência, mas de respeito. Elas já são da Igreja, e o apoio a elas nada mais é do que cumprir nossos votos de confirmação e da aliança batismal : “Defenderás a justiça e a paz para todos, respeitando a dignidade de todo ser humano”. Por isso insisto em dizer que, embora respeite o trabalho da Igreja Cristã Metropolitana, não sou favorável à criação de “igrejas-gay”, porque isso só reforça o gueto e a discriminação. Se a Igreja é realmente “católica”, deve ser inclusiva, para todos, porque, como dizemos em Campo Grande, “a verdadeira catolicidade está na inclusão”.
Em função dessa consciência de quem somos, estamos vivendo aqui em Campo Grande um momento difícil na vida comunitária, a ponto de eu questionar nossa permanência nessa cidade. Talvez seja o momento de a IEAB enviar outro missionário para cá. Porém, certamente, eu não deixaria a cidade enquanto houver uma pessoa precisando de nossa presença aqui, a menos que a IEAB envie outra pessoa para continuar o trabalho. Afinal, como diz Paulo em I Coríntios, “um planta, e outro rega, mas é Deus quem dá o crescimento”. Além disso, pesa para nós não apenas a responsabilidade, mas também o amor e a preocupação que temos para com todas as pessoas que freqüentam a Capela. Talvez um dos seminaristas ou das seminaristas que esteja acompanhando essa palestra, anime-se a pôr a mão no arado e assumir um campo missionário tão desafiador como o do Mato Grosso do Sul.

Apesar da insegurança em relação ao futuro, mantemos nossa missão aqui, vivendo absolutamente da graça de Deus. Em maio celebrei a primeira bênção de união do mesmo sexo no estado do MS, mas sem alarde, e as fotos estão em nosso site: http://paroquiadainclusao.com/site/anglicanos-em-campo-grande-ms/casamentos/ . Agora em setembro celebrarei outra bênção, dessa vez em nossa Capela. Porém, nossa Igreja ainda está tímida demais nesse assunto, e às vezes me parece que ela tem apenas um “verniz” liberal, com um fundo muito conservador. Sabemos que bênçãos semelhantes já têm sido realizadas em vários lugares do país, mas até agora a Comissão Nacional de Liturgia ainda não se debruçou na elaboração de um rito próprio. Particularmente, tenho comigo ritos alternativos das Igrejas Anglicanas do Canadá, EUA, Inglaterra, Escócia e de Igrejas luteranas da Escandinávia e penso que o Seminário poderia muito bem liderar a elaboração de um rito próprio, com prefação, votos, etc... a partir da experiência de outras igrejas no exterior.

Finalmente, quero dizer-lhes que não temam conviver com as pessoas diferentes. Vocês descobrirão que são pessoas lindas, amorosas e ao mesmo tempo carentes de amor, e que quando se sentem acolhidas e bem recebidas, se tornam prestativas, carinhosas e verdadeiramente amigas. A graça e o amor geram retribuição em amor.
Temos um grande potencial no Brasil - não para ser uma igreja só do público LGBT. Sempre dizemos para as pessoas que o grande desafio, para o próprio bem da causa LGBT é mostrar a possibilidade de conviver com famílias, crianças, sem causar polêmicas e escândalos. Talvez nosso desafio maior seja assumir quem, realmente somos, e preservar nossa liturgia, nossos hinos e nossa compreensão do evangelho, sem medo das reações católicas ou evangélicas. Quando aconteceram esses episódios em Campo Grande e algumas pessoas se afastaram da comunidade, minha esposa perguntou: “e se as famílias pararem de freqüentar?”. Realmente, esse é um medo que temos e que não desejamos que aconteça, porque confiamos na maturidade das pessoas. Mas o que pude responder, simplesmente foi: “Ficaremos com o rebanho que Deus deixar conosco!”.
Agradeço à direção do Seminário a oportunidade de expor essas idéias, desejando muitas bênçãos ao reitor, à Coordenadora pedagógica, professores e professoras, funcionários e estudantes. Somos uma pequena Igreja no Brasil, mas a única Igreja de vanguarda, comprometida com o cristianismo do futuro e não do passado, pois no futuro, quando as pessoas homossexuais se assumirem com menos medo do que hoje, certamente haverá uma Igreja para que elas possam orar, louvar a Deus, comungar e crescer no conhecimento do amor de Cristo.

Lembrem-se do hino que entoamos: “Há muito o que fazer neste país, não basta acreditar na tradição... Igreja a gente vive com paixão!”.

13 Julho 2011
Texto do Revdo. Carlos Eduardo Calvani para a reflexão sobre Inclusividade na IEAB
A experiência missionária Anglicana em Campo Grande
Rev. Dr. Carlos Eduardo Calvani
Ministro Encarregado da Missão da Inclusividade em Campo Grande MS.
Coordenador de Centro de Estudos Anglicanos (CEA)