sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

DIVERSIDADE SEXUAL E IGREJA ANGLICANA

Várias pessoas já vieram me perguntar:
1 – A sua Igreja (IEAB - Igreja Episcopal Anglicana do Brasil) é uma Igreja Gay?
2 – Por que a IEAB aceita pessoas LGBT’s como membros?
3 – Ela realiza casamento de homossexuais?
4 – Por que ela vai contra a Bíblia, se esta condena a homossexualidade?

1 – A IEAB é parte de um ramo do cristianismo, o anglicanismo ou episcopalismo protestante, que foi trazido ao Brasil há 120 anos, por missionários anglicanos, e há 200 anos, por capelanias inglesas. A Ecclesia Anglicana ou Igreja da Inglaterra foi fundada, segundo a Tradição, por São José de Arimatéia (foto), aquele discípulo que deu seu próprio túmulo para Jesus ser enterrado. Desde o terceiro século existem referências de uma Igreja organizada na Inglaterra com Bispos. Assim a Tradição Anglicana é tão antiga quanto a Tradição Romana ou as Tradições Grega, Armênia, Siríaca, etc., todos ramos diferentes do cristianismo, com liturgias e mesmo alguns pontos doutrinários diferentes. Em toda essa história, o anglicanismo se espalhou pelo o mundo inteiro, com o colonialismo inglês e com o envio de missões americanas, vindo também para o Brasil. A IEAB é uma denominação, ao mesmo tempo Católica e Protestante, assim como todas as Igrejas que fazem parte da Comunhão Anglicana, e têm membros de todos os sexos, etnias, condições sócio-econômicas, etc. Assim a IEAB não é uma denominação estritamente Gay ou somente para homossexuais e seus familiares, como é algumas denominações fundadas nos últimos 50 anos. A IEAB é uma denominação cristã que é para todas as pessoas que queiram abraçar a fé cristã e professá-la na maneira anglicana, inclusive para pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e transgêneros.

2 – A IEAB, seguindo o direcionamento da Conferência de Lambert (reunião decenal de bispos anglicanos do mundo inteiro, que dialogam sobre vários assuntos e fazem recomendações para a Comunhão Anglicana), começou a discutir sobre sexualidade humana há mais de 30 anos, especialmente começou a dialogar com pessoas LGBT’s. E assim como muitas Igreja Anglicanas de outros países, a IEAB chegou a um consenso que as pessoas LBGT’s também são filhos de Deus, têm a mesma dignidade humana que qualquer heterossexual e por isto têm o mesmo direito de ser membros da Igreja e professar a fé cristã, sem restrições. A IEAB, à luz da Bíblia, da Tradição, da Razão e da Experiência, também chegou à conclusão que a homossexualidade, bissexualidade, trans-homossexualidade e transexualidade não são expressões pecaminosas da sexualidade, mas dons de Deus para os seres humanos e para os animais, assim como a heterossexualidade. A essa mesma conclusão chegaram outras Igrejas protestantes na Europa e na Norte-América, como Igreja Metodista, Igreja Luterana, Igreja Universalista, Igreja Presbiteriana, entre outras. Claro que esse ponto de vista não é um consenso dentro da Igreja Anglicana no mundo inteiro, nem dentro dessas outra denominações citadas. Ainda existem muitas pessoas machistas e preconceituosas que continuam sendo homofóbicas e transfóbicas. Inclusive no Brasil existem anglicanos separados oficialmente da IEAB, por alegarem serem homofóbicos e mais “evangélicos”. A questão da inclusão de LGBT’s é assunto bastante controverso em várias denominações cristãs e na Comunhão Anglicana também o é, pois vários anglicanos de várias partes do mundo, especialmente lideranças do alto clero e do baixo clero, mais fundamentalistas, ameaçam sair da Comunhão Anglicana e forçam os países mais tolerantes a retroceder em suas ações inclusivistas.
3 – A IEAB não realiza sacramento de matrimônio de pessoas do mesmo sexo. A IEAB entende que casais homossexuais são unidades familiares, tanto quanto casais heterossexuais, entretanto a maioria da sociedade civil brasileira ainda não reconhece o status de família para os casais homo, desta maneira não existe casamento civil homo. E a IEAB entende que os direitos legais devem ser garantidos aos casais. A IEAB só realiza casamento de pessoas heterossexuais que tenham se casado previamente no civil, para garantir seus direitos jurídicos básicos de família perante a Nação brasileira.

4 – A IEAB não vai contra a Bíblia ao aceitar as outras expressões da sexualidade humana como dignas e cristãs. A IEAB apenas não tem uma visão simplista e fundamentalista da Bíblia. A IEAB tem uma teologia oficialmente crítica e libertadora, buscando várias fontes, além da Bíblia, para suas doutrinas: a Tradição, a Razão e a Experiência. A IEAB não acredita na inspiração plenária da Bíblia, mas na inspiração conceitual. Assim a Bíblia não é a Palavra de Deus no sentido estrito da palavra, mas no sentido lato. A Bíblia é palavra de seres humanos que contém a Palavra de Deus. A Bíblia contém tudo que é necessário para a Salvação (Jesus e seu evangelho), mas nem tudo que a Bíblia contém é necessário para a Salvação. E a IEAB entende que as várias visões bíblicas sobre sexualidade humana (não é uma só) têm suas limitações históricas e culturais, por isto ao entender a sexualidade humana a IEAB também busca o que as Ciências modernas dizem, e também ouve as experiências de vida de várias pessoas do passado e do presente. A IEAB luta pelos Direitos Humanos, como Jesus lutou, e entende que a total inclusão de LGBT’s na sociedade brasileira deve ser luta de todo cristão verdadeiramente imbuído do amor divino. A sexualidade humana, seja na expressão heterossexual, homossexual, bissexual, transexual ou trans-homossexual, é dom de Deus, especialmente quando abençoada pelo amor. A IEAB não compactua com expressões claramente indignas da sexualidade, como pedofilia, estupro, abuso sexual, exploração sexual, escravidão sexual, machismo, heterossexismo. Mas onde há verdadeiro amor, respeito e carinho, aí está Deus abençoando e se revelando para nós!

Aurelio de Melo Barbosa, fevereiro de 2011.




Um texto para reflexão:

"Se vós, contudo, observais a lei régia segundo a Escritura: Amarás o teu próximo como a ti mesmo* 
(*Lev. 19, 18), fazeis bem; se todavia, fazeis acepção de pessoas, cometeis pecado, sendo arguido pela lei como transgressores." (Epístola de TIAGO 2, 8-9; Bíblia tradução Almeida S.B.B.)

Mazuk

 

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A BÍBLIA E A HOMOSSEXUALIDADE



 
Os cristãos, em geral, têm vários preconceitos e tabus sobre a sexualidade humana, que herdaram dos judeus. E a sexualidade judaico-cristã é machista-patriarcal. Entre os judeus do período bíblico a mulher era um ser subumano, pertencia ao pai e depois ao marido. Podia ser rejeitada pelo esposo, mas jamais poderia rejeitá-lo. Se o homem quisesse ter outras esposas ou mesmo amantes (concubinas), ela teria que tolerar. E se o marido achasse que a esposa estivesse traindo-o, mas sem provas, deveria comparecer perante o sacerdote e fazer um ritual (como figura no Pentateuco) no qual Deus apontaria se a mulher era adúltera, e assim ela poderia ser apedrejada, mesmo sem provas do adultério. Num contexto tão machista, fica óbvio que um judeu jamais poderia ser tratado como mulher, se submetendo ao homoerotismo, sendo penetrado por outro homem. E assim o livro de Levítico traz uma lei que condena a relação sexual entre dois homens. Tal livro nem menciona a relação sexual entre duas mulheres. Elas nem merecem atenção, pois até Deus, Javé, é macho, então mulher é apenas um objeto para o homem descarregar seu desejo sexual e fazer filhos. Essa é a mente do Judeu.

O Pentateuco (os cinco primeiros livros da Bíblia) não foram escritos por Moisés, como muitos fundamentalistas afirmam, pois Moisés não poderia escrever sobre sua própria morte. E existem tantos textos diferentes no Pentateuco que fica óbvio que foram escritos por vários autores, em épocas diferentes. E assim as leis de moralidade sexual de Levítico tem um contexto específico, foram escritas no período exílico, pelos sacerdotes exilados na Babilônia. Esses sacerdotes observavam os costumes babilônicos e tinham nojo e rejeição a eles, então escrevendo leis de pureza e impureza para seus compatriotas exilados, para que eles pudessem ganhar novamente a afeição de Javé e serem libertados do cativeiro e voltarem para a terra prometida. Quem ler Levitico a fundo verá que ali existem leis religiosas que não têm aplicação nenhuma hoje, nem no contexto cristão. Mas por que será que ainda persiste a rejeição à homossexualidade masculina?

Alguns cristão afirmarão que pautam seu preconceito nas afirmações de Paulo. Quem era Paulo? Um fariseu convertido ao cristianismo. Um judeu bastante machista, como muitos outros cristãos judeus. Na cultura helênica, entre os povos que Paulo evangelizou, havia uma expressão específica de homossexualidade muito comum entre os homens: a pederastia, onde um homem mais velho se torna tutor de um adolescente, e este lhe presta favores sexuais. E Paulo coloca exatamente os termos judaicos rabínicos que se referiam à pederastia em suas duas únicas menções da homossexualidade masculina: em Romanos e em I Coríntios. Paulo nem menciona homossexualidade feminina, como alguns querem forçar no texto de Romanos, onde Paulo está mencionando o sexo anal para as mulheres. Paulo relaciona a pederastia masculina grega com o fato de serem pagãos. A idolatria perverteria os homens e os levaria a ter desejos de cometer pederastia (que é uma expressão da pedofilia com adolescentes). Essa era a mesma idéia de rabinos fariseus, contemporâneos de Paulo, que conheciam muito bem a cultura grega. Até entre os gregos havia uma grande discussão filosófica onde um grupo, adepto da pederastia, afirmava que verdadeiro amor só ocorre entre dois homens, dois iguais, onde o sexo seria natural, e a mulher, por ser inferior, só serviria para procriação. Nessa discussão filosófica havia um grupo contra, que afirmava que verdadeiro amor só entre um homem e uma mulher, e que sexo entre dois homens seria anti-natural. Paulo entre nesse contexto de discussão filosófica grega e de moralidade judaica rabínica!
Diante de tudo isto, vê-se que os poucos versículos bíblicos que abordam negativamente o homoerotismo masculino (não abordam a homo-sexo-afetividade, como entendida hoje, enquanto orientação sexo-afetiva) estão num contexto judaico-cristão machista, culturalmente limitado e específico, sem grandes conhecimentos científicos, apenas baseado no senso comum da época, senso este validado pela religião. Hoje a homossexualidade ou homoafetividade é bem melhor conhecida, estudada e entendida, não podendo rechaçada por simples argumentos falaciosos e preconceituosos.

Como diz a própria Bíblia, em I João, Deus é amor e quem ama permanece em Deus. Se um homem ama um homem e se uma mulher ama uma mulher, eles e elas permanecem em Deus, e a expressão desse amor pode ser inclusive genital, pois sexo para Deus não é pecado, especialmente quando abençoado pelo amor!

 
Aurelio de Melo Barbosa, Coordenador da PDS, Fev/2011